#31 Um domingo qualquer
Rapidinhas da semana, do mês, da vida. Um pouco do que passou, do que assisti e do que li ou estou lendo
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**foto da capa desse artigo: de Rain Bennett na Unsplash
| No tanque de areia cabe mais do que areia.
Cabe a bagunça dos pequenos, o projeto ambicioso dos maiores, o cansaço do adulto, a nossa pressa em resolver tudo de uma vez. Cabe o eco de uma frase repetida tantas vezes que já parece trilha sonora: “Eles são pequenos, eles não entendem.” E quem é grande, entende tudo?
Outro dia vi um castelo de areia desmoronar por dentro de outra coisa que desmoronava, o respeito pelo espaço de quem construiu. As crianças maiores cavavam túneis, erguiam muralhas, construíam cidades, as menores vinham, riam, pisavam, derrubavam porque brincar, pra elas, ainda é também destruir pra ver de novo nascer.
Tudo certo, tudo lindo, até o momento em que não é mais.
As vozes mais velhas pediram, primeiro baixinho, depois aflitas: “Podem brincar pra lá? Aqui é nossa cidade.” Um adulto se aproximou, jogou sobre a cena o peso do senso comum: “O parquinho é de todos, aprendam a dividir.” Mas ninguém ensinou a dividir de verdade, porque dividir não é anular o espaço do outro é ampliar o nosso olhar pra caber todo mundo.
Quantas vezes a gente faz isso em casa? Os mais novos ganham colo, paciência, explicações longas, os mais velhos ganham lição: “Você é grande, entenda.”
Mas ser mais velho não faz sumir a vontade de ter um cantinho intocado, não apaga a frustração quando tudo o que foi construído é derrubado, ainda que com mãos pequenas, não elimina a dor de perceber que quem deveria defender, não escuta.
Tem dias que não vemos, mas uma cidade desmorona dentro das crianças também. A ciência mostra que o cérebro imaturo das menores ainda não freia impulsos, não calcula o tamanho do estrago, mas o das maiores também não segura tudo sozinho. Elas sentem, sofrem, inflam e quando não encontram um adulto que enxergue isso, aprendem a engolir tudo em silêncio, roendo as unhas da própria vontade de existir.
Ser adulto que acolhe não é ser adulto que se anula, é ser ponte. É ser quem explica para o pequeno que ali há uma fronteira invisível: “Aqui está a cidade deles, vamos brincar aqui do lado.”
É ser quem garante ao maior o direito de dizer não, é mostrar para todos que respeito não nasce só porque a gente manda, nasce quando alguém protege. Quando abrimos espaço para que os irmãos mais velhos não sejam apenas quem cede mas também quem é ouvido, damos a eles um território de pertencimento que dura muito além do tanque de areia.
Ali nasce uma noção de limite que não vira muro, mas janela, se entende que convivência não é ter direito a tudo, mas caber em cada cantinho do outro sem esmagar.
No tanque de areia, na sala de casa, na vida toda: crianças pequenas precisam do nosso colo, crianças maiores também. Talvez não no mesmo tom, mas na mesma essência: ser visto, ser validado, ser escutado.
Quem é grande também precisa de espaço pra ser criança por dentro, quem cuida, precisa aprender a equilibrar a balança pra que nenhum castelo desmorone sem ninguém perceber.
Na Correnteza, a gente não finge que dá conta de tudo mas aprende, todos os dias, a dar conta do que importa. Um cuidado de cada vez.
Com carinho, Mariana.
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Com carinho,
Mariana
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Em Medos Infantis: O Que Dizem Sobre Nós Mesmas? | 01.08.2023
É interessante refletir sobre as razões que nos levam a minimizar nossos sentimentos em relação à maternidade. Muitas vezes, guardamos nossas emoções para nós mesmas, envergonhadas de compartilhar com os outros, pensando que são trivialidades e que a dor dos outros é mais importante, então preferimos esconder o que sentimos.
Quando uma criança demonstra medo em relação a algo, é comum que tentemos de todas as formas ajudá-la a não dar atenção a esse medo. Muitas vezes, descartamos a ideia do temor e buscamos fazê-la ignorar o que está sentindo. Procuramos tranquilizá-la com palavras como "Ah, isso é besteira", "Isso não vai acontecer" ou "Isso não existe".
Essa tendência pode ser reflexo do que ouvimos durante a infância, sendo ensinadas a não dar importância aos nossos sentimentos ou que a dor dos outros é mais relevante, o que nos leva a evitar falar sobre nossas emoções.
No entanto, mais do que as palavras que usamos, é essencial oferecer suporte emocional e ficar ao lado da criança até que ela se sinta reconfortada, em vez de desconsiderar seus sentimentos e tratá-la como boba.
Os medos podem estar relacionados à nossa impaciência durante a hora de dormir, ao desconhecido ou a algo complexo que a criança não consegue expressar claramente. Mesmo quando não conseguimos identificar a origem de cada sentimento, é crucial lembrar que esses medos são reais e precisam de validação.
Ninguém pode evitar sentir o que sente, mesmo que outras pessoas reajam de forma diferente diante da mesma situação ou achem que é algo trivial.
Agora, refletindo um pouco, você já parou para investigar o medo que sente ao ver sua criança se sentir insegura em diferentes situações? O que isso está revelando sobre você? É importante olhar para nossas próprias emoções e entender como elas influenciam nossas reações e comportamentos ao lidar com os medos e inseguranças de nossos filhos. Essa reflexão pode nos ajudar a desenvolver uma conexão mais profunda e empática com eles.
As mães que trabalham fora sentem culpa por estarem longe dos filhos, enquanto as que ficam em casa podem sentir-se vazias, angustiadas e sobrecarregadas. Esse peso social reflete o machismo em nossa sociedade, influenciando como nos estruturamos como mulheres.
Embora seja inquestionável que a criança precisa de cuidado, amor, presença e atenção, isso não significa que ela precise ser cuidada exclusivamente pela mãe.
Quando nos percebemos ausentes no dia a dia da criança, podemos nos culpar pelas crises de birra, comportamentos desafiadores e questionamentos sobre a vida.
Procuramos algo que valide nossos medos, nos fazendo pensar que estamos falhando como mães.
Muitas vezes, criamos hipóteses e buscamos validação delas no mundo ao nosso redor. Essa sensação de culpa não é algo que criamos sozinhas; é algo que a sociedade nos passa e reforça todos os dias. Sentimos culpa até por estarmos cansadas.
Percebo que hoje em dia, as expectativas sobre a maternidade são violentas e exageradas. Sentimos pressão para estar sempre sorrindo, felizes e dar atenção completa o tempo todo, senão não seremos consideradas boas mães.
Ao esconder o que sentimos, acabamos afastando aqueles que poderiam nos apoiar.
"É preciso uma aldeia para educar uma criança" - seguindo esse provérbio africano, entendemos que ninguém aprende e se desenvolve apenas com os valores da família nuclear, mas também com a comunidade em que vivemos e nos relacionamos.
Coletivizar nossos pensamentos sobre a criação infantil significa aceitar que não adianta cuidarmos exclusivamente da vida de nossos filhos sem permitir que eles se relacionem com o mundo e com valores que vão além do nosso círculo familiar.
Para construir essa "aldeia", devemos:
Abrir nosso coração para aqueles ao nosso redor de forma menos idealizada;
Evitar fazer julgamentos e aprender a pedir apoio;
Apreciar a individualidade de cada pessoa, sem comparações;
Respeitar, compreender e se colocar no lugar do outro.
Uma das questões mais desafiadoras na criação dos filhos são as divergências entre os adultos envolvidos.
Respeitar as diferentes formas de educação não é simples, pois geralmente temos resistência em abrir-nos para o desconhecido, e nas relações familiares não é diferente.
Precisamos aceitar que não podemos controlar como o mundo se relaciona com nossos filhos e que, mesmo nos esforçando, não conseguiremos mudar os outros. O foco deve ser em nós mesmas, cuidando intensamente das nossas próprias emoções e sentimentos.
Ao praticar isso, seremos capazes de entender os limites de nossas responsabilidades e abrir espaço para que outros também façam parte da nossa aldeia.