#30 Um domingo qualquer
Rapidinhas da semana, do mês, da vida. Um pouco do que passou, do que assisti e do que li ou estou lendo
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**foto da capa desse artigo: de Brooke Lark na Unsplash
| A saúde mora nos limites
Faz um tempo que decidi coisas que, pra quem olha de fora, podem parecer drásticas. Cortei quase todo o álcool, deixei a cafeina só pra raros goles de domingo. Escolhi com quem sento à mesa e com quem não me sento mais, passei a praticar atividade física como quem escova os dentes: todos os dias, nem que seja só um punhado de minutos pra lembrar ao corpo que ele é casa viva.
Fui aprendendo, na marra e no colo, que autocuidado não é só vela aromática acesa em banheiro silencioso. É, às vezes, dizer não a uma taça de vinho mesmo quando todo mundo brinda, é dar adeus pra quem não celebra quem a gente é de verdade, é mastigar devagar o que entra na boca e filtrar, na mesma medida, o que entra na cabeça.
Vejo meus filhos crescendo nesse mundo onde “se cuidar” ainda é muitas vezes vendido como algo que se compra: um creme novo, uma roupa nova, uma viagem pra fugir de si. Mas eu quero que eles entendam cedo que não existe viagem capaz de nos levar pra longe de quem somos por dentro, se a bagunça mora dentro, não adianta trocar o cenário, a bagunça vai junto na mala.
A verdadeira faxina é íntima é quando a gente olha pra dentro e pergunta: isso aqui faz bem pra mim ou eu só estou fingindo que faz? Às vezes, cuidar de si dói mais do que abandonar-se. Porque exige encarar a parte da gente que gosta de desculpa, a parte que quer “só hoje” comer qualquer coisa, “só hoje” faltar ao treino, “só hoje” topar aquele convite que vai sugar mais do que entregar.
Outro dia, sentei pra conversar com uma das minhas filhas, ela me perguntou por que eu não bebo mais vinho e cerveja como antes. Eu disse: “Porque quero acordar inteira pra você, quero acordar inteira pra mim. Ela riu, achou bonito, disse que ia escrever isso no caderno, fiquei pensando como a gente subestima o poder do exemplo, criança entende o que vê muito antes de entender o que ouve.
Às vezes, a disciplina que parece chata hoje é o abraço que a gente se dá pra daqui a uns anos, é a reserva de saúde, de fôlego, de presença, é o “eu não preciso me entupir de café pra me aguentar de pé”, é o “não preciso do álcool para ser divertida ou achar que as coisas estão mais leve”, é o “não preciso engolir qualquer amizade pra não ficar sozinha”.
Autocuidado de verdade é entender que o prazer não mora sempre no agora, às vezes, ele mora no depois, o depois de escolher bem o que come, o depois de sair pra caminhar quando era mais fácil deitar, o depois de dormir cedo em vez de rolar tela até o corpo implorar.
É claro que não é sobre virar um robô, ninguém quer viver sem doçura, sem pizza num sábado, sem um chocolate roubado no armário no fim do dia, é sobre não transformar o recreio em rotina e as aulas em exceção, é sobre saber equilibrar a bagunça com a ordem, o mereço com o preciso.
Não é fácil, ainda escorrego, ainda tenho preguiça, ainda invento desculpas, mas hoje eu percebo rapidinho quando estou virando as costas pra mim, meu corpo me conta, minha cabeça me cobra, meus filhos me lembram, eles me puxam de volta pra promessa que fiz: cuidar de mim pra estar inteira pra eles.
Quando penso no que quero que eles levem da infância que estamos escrevendo juntos, não desejo que me vejam perfeita. Mas quero que se lembrem de mim como alguém que tentava. Alguém que dizia não quando precisava, que fechava a porta pra bagunça quando já estava cheia demais. Alguém que fazia o que tinha que ser feito antes de deitar no sofá pra ver filme abraçada com eles.
A ciência que estuda o jeito como a nossa mente funciona já nos contou: limite é cuidado. O cérebro adora saber até onde pode ir, a liberdade mora justamente em ter fronteiras claras, é aí que a gente relaxa, confia, floresce e isso serve pra criança e pra adulto, serve pra dieta, pra amizade, pra trabalho, pra amor.
Talvez hoje você precise comer uma salada colorida ou talvez precise daquele pedaço de bolo que faz o peito suspirar, talvez seja hora de se inscrever na academia ou talvez o maior treino seja sentar na cama, desligar tudo e descansar de verdade. Não existe receita pronta, existe escuta, existe consequência, existe coragem de escolher o que te faz bem de verdade, não só o que faz bem agora.
Minha filha me perguntou outro dia: “Mas mãe, se eu falar não pras minhas amigas, elas vão parar de me chamar?” Eu respirei fundo e respondi: “Pode ser que sim e tudo bem, melhor ficar de fora de algumas rodas do que ficar de fora de si mesma.”
Fiquei pensando o quanto eu mesma precisei aprender isso depois de adulta, depois de tanto dizer sim só pra não ser esquecida. Hoje sei: quem te esquece porque você disse não, nunca quis sua companhia, quis a sua presença disponível pra preencher o vazio deles e pra isso, a gente não precisa mais servir.
Então fica aqui meu convite pra você, que lê essa Correnteza tentando se encontrar no meio dos próprios nãos e sins, escolha o que te faz bem, faça o que é preciso, não só o que é gostoso. Abrace o limite como quem abraça um amigo que te põe pra dormir cedo porque sabe que amanhã cedo você quer acordar leve e se tudo isso parece difícil, não precisa ir sozinha, vem comigo, aqui tem espaço pra tentar de novo, pra tropeçar, pra acertar, pra ser exemplo sem perfeição.
Na Correnteza, a gente não finge que dá conta de tudo mas aprende, todos os dias, a dar conta do que importa. Um cuidado de cada vez.
Com carinho, Mariana
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Em Eu só queria acertar..., 14.01.2024
Você já percebeu como as coisas referentes a educação das crianças se tornaram uma grande razão para conflitos e combates?
Já percebeu como na maioria das vezes, as mães é que estão no centro desse conflito se degladiando, disputando quem está mais certa que a outra?
Triste não é?
Quero te dizer que ninguém está ganhando essa disputa. A discussão sobre a educação da crianças não pode servir para estimular a nossa maneira de se comportar.
Diferente do conflito e rivalidade, os assuntos que a parentalidade traz devem nos levar a uma reflexão, a pensamentos críticos e que nunca antes estiveram na pauta. Não é para estabelecer quem faz certo ou quem faz errado, quem faz melhor ou quem cria da melhor maneira.
A relação com as crianças, com nossos filhos estão além do passo a passo ou de ferramentas de comportamento, estão no campo da subjetividade.
Como não costumamos conseguir ver o mundo de maneira limpa e sem julgamentos, isso pode nos levar a sofrer e a deixar os outros em sofrimento. Essa custosa percepção equivocada do mundo pode assumir várias formas, descritas de várias maneiras em diferentes textos budistas.
Meu convite é para que você sempre busque informações e conhecimentos que possam te auxiliar a encontrar a sua maneira em educar e se relacionar com seus filhos e que você se sinta confortável e confiante nessa travessia.
Ao longo dessa travessia, nossa ideia natural do “eu” é normalmente enganosa. Tendemos a acolher pensamentos, sentimentos e opiniões alheias como se fossem parte de nós, porém, isso é uma escolha nossa. Reconhecer que essa identificação é uma opção e, por meio da meditação ou da atenção plena, aprender a deixar de criar pré julgamentos por mero reflexo pode reduzir o sofrimento.
Por aqui, vou além da parentalidade gentil ou do como enfrentar os desafios que chegam com a maternidade. Eu também te trago pensamentos e ensinamentos Budistas e estóicos que podem contribuir ao seu desenvolvimento.
O Estóicismo e o Budismo são dois sistemas, ou escolas, de filosofia que, à primeira vista, podem parecer muito diferentes em suas origens e abordagens. O primeiro surgiu na Grécia, entre pensadores como Aristóteles. O segundo nasceu há milhares de anos na India e rapidamente se espalhou no mundo oriental, escapando do mundo dos pensamentos e se tornando uma religião.
No entanto, uma análise mais profunda revela conexões surpreendentes entre esses dois sistemas de pensamento, especialmente quando se trata de aplicá-los à parentalidade.
Como o budismo, o estoicismo ensinou as pessoas a reduzir seu ego e assumir o controle ou responsabilidade das emoções negativas. Os estóicos também tiveram o cuidado de distinguir entre o que acontece e como você reage a isso. Eles disseram que a verdadeira satisfação só vem de alcançar um estado de tranquilidade resiliente ou apatheia caracterizado pela liberdade da paixão, para que você não se importe com o que acontece ou não acontece.
Desde a primeira gestação, comecei a estudar energicamente sobre a relações familiares e encontrei muitos autores que diziam sobre a importância de se comunicar com a criança expressando aquilo que admiramos em vez de julgar. Por exemplo, ao invés de dizer: “Que desenho lindo”, diga: “Seu desenho me impressionou, adorei o detalhe da janela com as cortinas e as flores”. O conselho sempre estava relacionado ao elogio do esforço da criança e não somente sobre o resultado.
Com o tempo, percebi que a maioria das minhas interações estava acontecendo no modo automático, eu sabia a regra e então bastava eu dar o foco no esforço em todas as minhas respostas com as crianças. Elas me contavam que tinham comido tudo e eu respondia: “Que ótimo que você está se sentindo satisfeita, fiquei feliz por você ter comido sozinha”. Quando o assunto era algo que ela havia feito a resposta sempre era algo do tipo: “Que ótimo, você se esforçou e conseguiu, parabéns!”
O que eu não havia percebido é que o conhecimento e a teoria são bons, nos guiam para uma caminho que acreditamos ser o ideal. Porém, não são suficientes. A ponte de conexão entre as relações humanas sempre será a presença e o coração.
Mais do que elogiar o esforço, é necessário compartilhar o que sentimos e para isso é preciso sair do automático e se conectar com o presente.
Elogiar nunca vai trazer um prejuízo para a criança ou para a relação. A falta de elogio é muito mais prejudicial do que o excesso. Meu convite, é para que você tenha atenção na sua intenção durante essa interação, para que você consiga ver além do que está sendo mostrado pela criança, veja seu esforço, suas habilidades, sua vontade, sua dedicacao, sua atenção.
A forma como nos sentimos em relação a nós mesmas e a responsabilidade que assumimos pelas nossas reações com as nossas crianças são aspectos importantes da educação que muitas vezes negligenciamos porque é muito mais fácil nos concentrarmos na criança e nos comportamentos dela em vez de observar como ela nos afeta e como nós afetamos ela.
Não é somente a maneira como reagimos com a criança que irá moldar seu traço de personalidade e seu caráter, mas também o que ela vê e sente em seu ambiente.
Não tem um jeito certo ou errado de elogiar. Vamos cuidar do que a gente sente, de como a gente se conecta com nossas crianças porque isso sim pode fazer diferença.
Meu grande aprendizado nesse assunto, foi perceber as reações dos meus sentimentos que meus filhos me despertavam em cada uma de nossas interações antes de reagir no automático.